segunda-feira, 2 de março de 2015

TRANSFIGURAÇÃO: FÉ, AMOR E VIDA


Segundo Domingo da Quaresma – Transfiguração do Senhor (01/03/2015)
1ª Leitura: Gn 22,1-2.9-13.15-18
Salmo: 115
2ª Leitura: Rm 8,31-34
Evangelho: Mc 9,2-10

Transfigurar significa ultrapassar os limites de expressão da figura. Implica numa mudança substancial, onde se vislumbra uma mudança radical para melhor, uma mudança deslumbrante.

 É isso o que diz o Evangelho de hoje quando diz que “suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar” (Mc 9, 3). Em seguida o texto faz uma alusão ao aparecimento, naquela cena fantástica, da presença de Moisés e de Elias que conversavam com Jesus. Ora que encontro maravilhoso era aquele?

Na verdade, o que o evangelista pretende dizer é que Jesus, numa alta montanha (Monte Tabor) dialoga com toda a tradição bíblica judaica. Ali Jesus se apresenta como aquele que vai condensar toda a promessa realizada no Antigo Testamento. Para melhor compreensão é preciso saber que toda a história da salvação antes de Jesus é compreendida como o tempo da Lei (Pentateuco - 5 primeiros livros da Bíblia - representada por Moisés) e dos Profetas (representada por Elias).

Portanto, Jesus é aquele que vem cumprir o tempo e dar sentido à promessa divina de resgate e salvação do Povo de Deus. Por isso a sua história, a sua vida dialoga, conversa com a Lei e os Profetas, num momento muito especial (de iluminação transfigurada, a ponto das roupas aparecerem alvejadas por uma luz brilhante) e num lugar especial, um monte alto (Na Bíblia quando um profeta sobe a uma montanha significa que ele está indo falar com Deus. A montanha é lugar privilegiado da oração para o encontro com Deus, pois é preciso sair da planície, lugar comum dos humanos e se refugiar num “lugar” alto para se encontrar com Deus).

A transfiguração de Jesus, que representa o cumprimento do tempo para que a redenção aconteça para o povo de Deus (que é o momento da Ressurreição do Senhor) se contrapõe à desfiguração do rosto de Jesus na cruz, que paga o preço da dor, do sofrimento, da humilhação e da morte, bem como de todos os pecados daí decorrentes. É o cordeiro imolado que se sacrifica em remissão dos pecados da humanidade. A humanidade que até então estava aprisionada pelo pecado original (como algo inerente à sua condição de vivente), doravante tem seus pecados para sempre absolvidos, pois ao invés de um “bode expiatório” ser sacrificado, houve por bem que o próprio Deus, na pessoa de seu filho Jesus, apagasse todos os malefícios do pecado original. A ressurreição foi de fato a liquidação de todos os débitos oriundos do pecado original. A transfiguração, que é uma forma deslumbrante de mostrar o Reino de Deus, significa a antecipação da vitória da vida sobre a morte, a partir da prometida “ressurreição dos mortos” que os apóstolos Pedro, Tiago e João, naquele momento, ficaram sem entender.

Para compreender a ressurreição dos mortos implica em escutar a voz que vem da nuvem (voz que vem do céu, portanto a voz de Deus): “Este é o meu filho amado. Escutai o que ele diz”). Portanto, ter acesso ao Reino de Deus pela ressurreição dos mortos implica em dois pré-requisitos: a) entender que Jesus é o filho amado de Deus; e b) Escutar o que ele diz.

A liturgia de hoje, nas demais leituras, faz remissão justamente a essa necessária adesão de confiança e fé. O modelo de fé é a de Abraão, que confiante em Deus é capaz de oferecer o próprio filho em sacrifício.

No tempo de Abraão, as práticas religiosas realizavam ritos sacrificiais oferecendo aos deuses oferendas em gratidão por diversos motivos. Eis que Abraão é instigado a também sacrificar, em prova de sua fé, uma oferenda que fosse objeto de seu maior amor. Ora, Abraão devotava todo o seu amor a Isaac (único herdeiro legítimo). E foi justamente essa a oferenda exigida como prova de sua fé. A fé, como força vital da existência humana, somente pode ser comparada, ou provada, através de outra grande força vital, no caso o amor. Logo, fé é igual a amor. Quem tem fé, tem amor; quem tem amor, tem fé.

Mas há uma outra força que se alia também à fé e ao amor: a vida! Foi por isso que na hora do sacrifício de Abraão, o anjo do Senhor intercedeu e não permitiu que a vida de Isaac fosse sacrificada, pois a fé, o amor e a vida andam juntas e não se eliminam. São forças da mesma grandeza. Vida, fé e amor se entrelaçam numa coisa só, pois todas provêm diretamente de Deus. São três atributos de Deus. São forças naturais que transfiguram o Reino de Deus, que se alicerça na FÉ, no AMOR e na VIDA. A partir desse episódio de Abraão, a religião que se inaugura com ele deve ser entendida como a religião da FÉ, do AMOR e da VIDA, pois essa é a religião (religare) desejada por Deus. Essa é a forma de religar o homem a Deus, através da FÉ, do AMOR e da VIDA.

Em nome dessa FÉ, desse AMOR e dessa VIDA é que a Ressurreição de Jesus ganha sentido, pois ele vence a morte, a partir de uma VIDA de FÉ no AMOR desejado por Deus. Quer saber que amor é esse desejado por Deus? Então escute a voz que vem do céu a dizer: “Escutai o que ele diz” (Mc 9,7).

Da mesma forma, o Salmo, confiante na promessa do Senhor assevera com fé: “Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos... guardarei a minha fé... por isso oferto um sacrifício de louvor” (Sl 115). E São Paulo, confirmando os prêmios que advirão dessa religião praticada na FÉ, no AMOR e na VIDA acalanta os ouvidos dos filhos confiantes na promessa de Deus dizendo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria tudo junto com ele?”. Ou seja, se Jesus ressuscitou, também os filhos de Deus ressuscitarão.

Em resumo, ninguém pode experimentar a maravilha do Reino de Deus (mundo transfigurado / ressurreição), se não estiver disposto a subir no morro (Monte Tabor) e entrar na conversa que acontece entre Jesus, Moisés e Elias. E isso significa viver a religião de Abraão, cujo pressuposto está alicerçado na FÉ, no AMOR e na VIDA. Tudo o que é contra a FÉ, contra o AMOR e contra a VIDA não é a religião de Abraão, não é a religião de Moisés, não é a religião de Elias, não é a religião de Jesus.

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