segunda-feira, 2 de março de 2015

TRANSFIGURAÇÃO: FÉ, AMOR E VIDA


Segundo Domingo da Quaresma – Transfiguração do Senhor (01/03/2015)
1ª Leitura: Gn 22,1-2.9-13.15-18
Salmo: 115
2ª Leitura: Rm 8,31-34
Evangelho: Mc 9,2-10

Transfigurar significa ultrapassar os limites de expressão da figura. Implica numa mudança substancial, onde se vislumbra uma mudança radical para melhor, uma mudança deslumbrante.

 É isso o que diz o Evangelho de hoje quando diz que “suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar” (Mc 9, 3). Em seguida o texto faz uma alusão ao aparecimento, naquela cena fantástica, da presença de Moisés e de Elias que conversavam com Jesus. Ora que encontro maravilhoso era aquele?

Na verdade, o que o evangelista pretende dizer é que Jesus, numa alta montanha (Monte Tabor) dialoga com toda a tradição bíblica judaica. Ali Jesus se apresenta como aquele que vai condensar toda a promessa realizada no Antigo Testamento. Para melhor compreensão é preciso saber que toda a história da salvação antes de Jesus é compreendida como o tempo da Lei (Pentateuco - 5 primeiros livros da Bíblia - representada por Moisés) e dos Profetas (representada por Elias).

Portanto, Jesus é aquele que vem cumprir o tempo e dar sentido à promessa divina de resgate e salvação do Povo de Deus. Por isso a sua história, a sua vida dialoga, conversa com a Lei e os Profetas, num momento muito especial (de iluminação transfigurada, a ponto das roupas aparecerem alvejadas por uma luz brilhante) e num lugar especial, um monte alto (Na Bíblia quando um profeta sobe a uma montanha significa que ele está indo falar com Deus. A montanha é lugar privilegiado da oração para o encontro com Deus, pois é preciso sair da planície, lugar comum dos humanos e se refugiar num “lugar” alto para se encontrar com Deus).

A transfiguração de Jesus, que representa o cumprimento do tempo para que a redenção aconteça para o povo de Deus (que é o momento da Ressurreição do Senhor) se contrapõe à desfiguração do rosto de Jesus na cruz, que paga o preço da dor, do sofrimento, da humilhação e da morte, bem como de todos os pecados daí decorrentes. É o cordeiro imolado que se sacrifica em remissão dos pecados da humanidade. A humanidade que até então estava aprisionada pelo pecado original (como algo inerente à sua condição de vivente), doravante tem seus pecados para sempre absolvidos, pois ao invés de um “bode expiatório” ser sacrificado, houve por bem que o próprio Deus, na pessoa de seu filho Jesus, apagasse todos os malefícios do pecado original. A ressurreição foi de fato a liquidação de todos os débitos oriundos do pecado original. A transfiguração, que é uma forma deslumbrante de mostrar o Reino de Deus, significa a antecipação da vitória da vida sobre a morte, a partir da prometida “ressurreição dos mortos” que os apóstolos Pedro, Tiago e João, naquele momento, ficaram sem entender.

Para compreender a ressurreição dos mortos implica em escutar a voz que vem da nuvem (voz que vem do céu, portanto a voz de Deus): “Este é o meu filho amado. Escutai o que ele diz”). Portanto, ter acesso ao Reino de Deus pela ressurreição dos mortos implica em dois pré-requisitos: a) entender que Jesus é o filho amado de Deus; e b) Escutar o que ele diz.

A liturgia de hoje, nas demais leituras, faz remissão justamente a essa necessária adesão de confiança e fé. O modelo de fé é a de Abraão, que confiante em Deus é capaz de oferecer o próprio filho em sacrifício.

No tempo de Abraão, as práticas religiosas realizavam ritos sacrificiais oferecendo aos deuses oferendas em gratidão por diversos motivos. Eis que Abraão é instigado a também sacrificar, em prova de sua fé, uma oferenda que fosse objeto de seu maior amor. Ora, Abraão devotava todo o seu amor a Isaac (único herdeiro legítimo). E foi justamente essa a oferenda exigida como prova de sua fé. A fé, como força vital da existência humana, somente pode ser comparada, ou provada, através de outra grande força vital, no caso o amor. Logo, fé é igual a amor. Quem tem fé, tem amor; quem tem amor, tem fé.

Mas há uma outra força que se alia também à fé e ao amor: a vida! Foi por isso que na hora do sacrifício de Abraão, o anjo do Senhor intercedeu e não permitiu que a vida de Isaac fosse sacrificada, pois a fé, o amor e a vida andam juntas e não se eliminam. São forças da mesma grandeza. Vida, fé e amor se entrelaçam numa coisa só, pois todas provêm diretamente de Deus. São três atributos de Deus. São forças naturais que transfiguram o Reino de Deus, que se alicerça na FÉ, no AMOR e na VIDA. A partir desse episódio de Abraão, a religião que se inaugura com ele deve ser entendida como a religião da FÉ, do AMOR e da VIDA, pois essa é a religião (religare) desejada por Deus. Essa é a forma de religar o homem a Deus, através da FÉ, do AMOR e da VIDA.

Em nome dessa FÉ, desse AMOR e dessa VIDA é que a Ressurreição de Jesus ganha sentido, pois ele vence a morte, a partir de uma VIDA de FÉ no AMOR desejado por Deus. Quer saber que amor é esse desejado por Deus? Então escute a voz que vem do céu a dizer: “Escutai o que ele diz” (Mc 9,7).

Da mesma forma, o Salmo, confiante na promessa do Senhor assevera com fé: “Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos... guardarei a minha fé... por isso oferto um sacrifício de louvor” (Sl 115). E São Paulo, confirmando os prêmios que advirão dessa religião praticada na FÉ, no AMOR e na VIDA acalanta os ouvidos dos filhos confiantes na promessa de Deus dizendo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria tudo junto com ele?”. Ou seja, se Jesus ressuscitou, também os filhos de Deus ressuscitarão.

Em resumo, ninguém pode experimentar a maravilha do Reino de Deus (mundo transfigurado / ressurreição), se não estiver disposto a subir no morro (Monte Tabor) e entrar na conversa que acontece entre Jesus, Moisés e Elias. E isso significa viver a religião de Abraão, cujo pressuposto está alicerçado na FÉ, no AMOR e na VIDA. Tudo o que é contra a FÉ, contra o AMOR e contra a VIDA não é a religião de Abraão, não é a religião de Moisés, não é a religião de Elias, não é a religião de Jesus.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O REINO ESTÁ PRÓXIMO!



1º DOMINGO DA QUARESMA (22/02/2015)

1ª Leitura: Gn 9,8-15 – “Eis que estabeleço minha aliança convosco... com todos os seres vivos, animais domésticos e selvagens
Salmo: 24: “Recordai, Senhor meu Deus, Vossa ternura e a Vossa compaixão que são eternas! De mim lembrai-vos, porque sois misericórdia e sois bondade sem limites, ó Senhor!
2ª Leitura: 1Pd 3,18-22 – “À Arca corresponde o batismo, que hoje é a vossa salvação. Pois o batismo não serve para limpar o corpo da imundície, mas é um pedido a Deus para obter uma boa consciência, em virtude da ressurreição de Jesus Cristo”.
Evangelho: Mc 1,12-15 – “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho”.


Afinal, onde está esse Reino tão desejado a tanto tempo?

Ao que me parece, a questão diz respeito ao que realmente se entende por Reino de Deus. Porquanto, a indagação necessária é: Que reino é esse, onde está o trono do rei, e quando ele efetivamente vai começar a acontecer? Afinal, nesse reino todos nós que supostamente “cremos” em Jesus Cristo deveremos ser nele prestigiados, pois, afinal, nele nós seremos “amigos” do rei.

Ora, a Palavra de Deus é clara ao admitir categoricamente que “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc, 1,12-15). 

O que acontece é que muitas vezes nos enganamos, pois ainda temos uma fé muito ingênua, pra não dizer infantil. Não sei por que cargas d'água, ainda não nos apercebemos que o Reino de Deus já está entre nós. Esse Reino (ou melhor Reinado) de Deus já foi instaurado e está no meio de nós. Desde a ressurreição de Jesus Cristo já podemos experimentar o Reino (Reinado) de Deus. Ele está aqui neste mundo concreto em que vivemos, apesar das adversidades e sofrimentos porque passamos. É preciso amadurecer na fé e entender que o Reino de Deus não está noutro mundo não. Na verdade, o Reino de Deus já está aqui no meio de nós e se perpetua para além da vida. Mas é preciso compreender que ele já existe entre nós, é concreto e verdadeiro. O tempo para sua implantação já há muito se completou. 

Então como podemos entender a frase de que o Reino de Deus está próximo? 

É porque o texto serve de espiritualização para o tempo litúrgico da quaresma, tempo de conversão, para um melhor aproveitamento da experiência da páscoa (que é a ressurreição de Jesus, que acontece no domingo seguinte à semana santa).

O amadurecimento dessa fé se dá na urgente necessidade de conversão, e observar os tempos à luz dessa boa-notícia (Evangelho). E que boa notícia é essa? É a mensagem de Jesus que dá exemplos e apela para uma mudança de pensamento e atitude em relação às coisas da vida, perguntando o que Jesus fez, com quem andou, quais escolhas, como agiu.

A melhor forma de compreender a mensagem de Jesus para nós é nos perguntar, diante de qualquer situação, como Jesus agiria em meu lugar se ele estivesse na mesma situação em que me encontro.

A primeira leitura ilustra que a instauração do Reino de Deus é fruto de uma promessa divina, uma aliança, desde os tempos da Arca de Noé (Gn 9,8-15). Essa mesma Arca que a Carta de Pedro (1Pd  3, 18-22) vai interpretar como sendo a Igreja, cujo ingresso é garantido pelo batismo, fonte de salvação ao que nela se encontram, pois a lembrança e compaixão de Deus são eternas, conforme canta o Salmo 24.

Portanto, é importante ter fé e compreender que o mundo em que vivemos não pertence ao diabo, não pertence a demônio algum. O mundo em que vivemos pertence a Deus, pois aqui está instaurado o seu Reino. Toda e qualquer contrariedade ao Reino de Deus, que é puro amor, deve ser combatido com as armas desse Reino, o amor!


domingo, 15 de fevereiro de 2015

“SE QUERES, PURIFICA-ME!” (Mc 1, 40)


Liturgia do 6º Domingo do Tempo Comum
(1ª Leitura: Lv 13, 1-2.44-46 / Salmo 31 / 2ª Leitura: 1Cor 10,31-11,1 / Evangelho: Mc 1,40-45)

Nos tempos de Jesus, pela visibilidade do mal na própria pele, a lepra era o óbvio sinal da impureza, cuja cultura desses tempos associava tal fato ao castigo de Deus pelos pecados (individuais e coletivos). Ou seja, o leproso era o “impuro” que trazia no corpo a marca do castigo de Deus.

No livro do Levítico (13, 1-2.44-46) havia até a prescrição dos cuidados que se deveria tomar nos casos em que houvesse a suspeita da doença: levar o paciente à presença do sacerdote, para que, se confirmasse a doença, fosse declarado impuro; andar com vestes rasgadas, cabelos em desordem e barba coberta; e à presença de alguém aquele declarado leproso deveria gritar que era impuro”; e ainda ser afastado da convivência da comunidade, morando fora do acampamento”.

Ora, parece que tais medidas representassem para aquela comunidade ações sanitárias em face da completa ignorância científica acerca daquela pavorosa doença.

Segundo a doutrina religiosa da pureza, as doenças, em geral, eram tidas como sinais de imperfeição o que representava uma dissonância com o projeto de Deus que cria tudo perfeito. Portanto, os estados de doença, impureza, imperfeição e pecado deveriam estar, por decorrência lógica, relacionados entre si. O pecado, portanto, é a imperfeição da alma que se reproduz na imperfeição do corpo.

Mas eis que surge Jesus e, com o olhar do amor, vem mostrar que as coisas não são bem assim.

Afinal, não apenas do que diz o evangelho de hoje, mas em todos os milagres de Jesus a grande lição é justamente que o milagre acontece quando acontece o amor e o perdão. 

A doença religiosa, fruto do desamor e da falta de perdão é aquela que aflige o ser humano a pensar que Deus é aquele que está ali à sua disposição para resolver todos os seus problemas.

É preciso saber que não é todo dia que Jesus anda por aí à disposição de quem passa para resolver o seu problema. Se o problema é de saúde pública (doenças, falta de postos de saúde e médicos, filas em hospitais e prontos socorros, falta de remédios, falta de ética na política, etc.), há que se tomar as providências para que eles sejam solucionados; se o problema é de preconceito deve-se buscar as soluções adequadas para que isso não impeça o crescimento e afirmação das pessoas na sociedade.

O milagre que se almeja acontecer, não é que Jesus apareça e cure o doente, mas que aquele que tem fé em Jesus esteja pronto para agir como Ele ensinou a agir: tendo compaixão, estendendo a mão e querendo efetivamente que o doente se cure, tomando as providências que lhe couber. É preciso estar junto e não se esconder dos problemas, não se esconder das doenças, isolando os doentes como se não existissem.

Talvez o maior pecado, mal da alma que contamina o corpo, não seja tanto o que se apresenta à pele, mas o que está escondido e não se vê. É aquele que impede o homem de fé agir como deve que agir. Agir corretamente significa “tudo fazer para a Glória de Deus (1Cor 10,31). E o que significa essa “Glória de Deus”?

Para entender o que significa “glorificar a Deus” é preciso fazer uma pequena comparação.

Glorificar alguém significa honrar essa pessoa. Existem muitas maneiras de honrar alguém. Uma delas é honrar o que essa pessoa fez ou faz. Por exemplo: pode-se honrar um poeta fazendo boas recomendações de sua poesia; pode-se honrar um arquiteto ou um artista, elogiando e cuidando de suas obras.

Da mesma forma, honrar a Deus significa honrar a sua criação: cuidar da natureza, dos animais e dos seres humanos. Assim, desonra a Deus, ou seja, não glorifica a Deus aquele que destrói a sua criação, não lhe atribui os melhores cuidados.

Não permitir que o milagre aconteça ocorre quando não perdoamos aos outros e, principalmente, quando não perdoamos a nós mesmos. Só o perdão elimina de vez com o pecado e, porque não dizer, com todas as impurezas (espirituais, sociais e corporais). Só que para estarmos aptos a perdoar é necessário que primeiro estejamos aptos a ter compaixão e estender a mão, muitas vezes, primeiramente, para nós mesmos!

Perdoando-nos a nós mesmos e aos outros, quem sabe, possamos dizer como o salmista (Sl 31, 1-2.5.11):

Feliz o homem que foi perdoado
e cuja falta já foi encoberta!
Feliz o homem a quem o Senhor 
não olha mais como sendo culpado,
e em cuja alma não há falsidade!
Eu confessei, afinal, meu pecado,
e minha falta vos fiz conhecer.
Disse: 'Eu irei confessar meu pecado!'
E perdoastes, Senhor, minha falta.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

SOFRIMENTO



Por quê sofremos?

O sofrimento humano é um fato natural e, embora a resposta teológica para o sofrimento seja a condição do pecado em que vive o ser humano, ela de pronto não atende à necessidade pragmática de explicação, uma vez que é por demais complicado entender que Deus criou o ser humano e deixou que ele demandasse por esse caminho de dor e sofrimento. Aliás esse é um dos temas mais antigos da discussão teológica e causa de muitas desistências da fé: o sentido do mal.

Os ateus se perguntam: Se Deus é bom e tudo o que Ele faz é bom, como explicar a existência do mal?

O mal, como o bem, é condição existencial do ser. É atributo natural de quem é criatura, cuja maior expressão é a finitude. Assim, o ser, a criatura diante do tempo, passa e não permanece na mesma condição indefinidamente. Só Deus, por ser quem é, não é suscetível a mudanças; só Deus não tem fim!

Deus é amor, sendo essa a melhor forma que a humanidade encontrou para definir e descrever esse Ser que é, por natureza, indefinível e indescritível.

E Deus, no seu incomensurável, indefinível e indescritível amor, diante do sofrimento humano, sabe que não há palavra que explique a condição humana de vulnerabilidade diante da dor e do sofrimento. É por isso que no Evangelho de hoje (Mc 1, 29-39), que apresenta a cena em que Jesus está diante do sofrimento da sogra de Pedro, Ele não pronuncia uma só palavra diante desse fato. Jesus apenas estende a mão e a ajuda a levantar. Contemplando essa cena, é-nos compreender que a melhor atitude para expressar o amor ao próximo diante da dor e do sofrimento é estender a mão, pois as palavras muitas vezes não conseguem exprimir melhor forma de solidariedade.

O ser humano, tal como Jó (1ª Leitura: Jó 7, 4), na sua condição existencial, jamais poderá levantar-se sozinho, pois que sem entender porque é vulnerável à dor e ao sofrimento, sempre se questionará acerca disso. Será, pois, na consciência de sua própria finitude, pois que suscetível ao tempo, que o homem sentirá a necessidade de rogar a Deus para lembrá-lo de que "seus dias correm mais rápido que a lançadeira do tear...e que a sua vida é apenas um sopro" (Jó 7,6-7).

De acordo com Paulo (2ª Leitura: 1Cor 9,16.23) somente resta ao ser humano uma única alternativa: crer e proclamar a boa notícia (Evangelho) de que Deus que se anuncia também se faz fraco para estar com os fracos e é tudo para ter todos. Por isso é que Deus, em Jesus vem com a mão estendida para se encontrar com o ser humano no seu sofrimento e na sua dor.


domingo, 1 de fevereiro de 2015

DE ONDE VEM A AUTORIDADE?


O que significa falar com autoridade?

Falar com autoridade significa dizer que a PALAVRA dita corresponde à AÇÃO de quem fala. Ou seja, não é possível que alguém coerente aja de forma diferente em relação ao que diz. Portanto, a autoridade vem da coerência entre o que se diz e o que se faz. Na verdade as pessoas reconhecem a autoridade de uma pessoa quando ela faz o que diz.

Por isso é que o texto do evangelho de hoje traz referência ao texto da 1ª leitura (Dt 18,15-20) que assevera a exortação de Moisés que diz ao povo de Deus: “O Senhor teu Deus fará surgir, da tua nação e do meio de teus irmãos um profeta quem deverás escutar”. Todo profeta, quando verdadeiro, ou seja, quando fala o que Deus manda, tem autoridade, porque é coerente em sua vida com a palavra que profere, pois se assim não proceder “deverá morrer” (Dt 18,20). Isto porque não tem autoridade, não tem “moral”.

Em contrapartida, as palavras ditas por um profeta devem ser ouvidas e os corações dos ouvintes não devem estar fechados à sua palavra (Sl 94,8), pois ele fala em nome de Deus, não devendo haver preocupação alguma neste mundo que possa distrair essa atenção (1Cor 7,32).

O mal existe e não se deve descuidar na luta para que o ele se afaste de cada um de nós. Conforme o Evangelho (Mc 1,21-28), o mal não pode afrontar aquele que tem autoridade, por isso é que Jesus ordena: “cala-te e sai dele” (Mc 1,25). O mal, simbolizado por um “espírito mau” ou “demônio” é qualquer coisa que aniquila a vida livre e plena da pessoa. Ordenar que o “espirito mau” se cale e saia da pessoa significa não permitir que o mal tome conta da vida dela, ou seja, significa ordenar que o mal não fale pela pessoa.

Portanto, ter autoridade e agir com coerência significa que a palavra seja dita pela própria pessoa (que é boa por natureza, pois é criatura de Deus) e não pelo mal que nele habita, pois do contrário a pessoa, pelos seus atos e palavras, torna-se sem “autoridade”, torna-se escrava de algum mal que possua (vício, pecado, egoísmo, ganância, arrogância, prepotência, soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja preguiça, etc.).

E para afastar o mal não há dia de “sábado” que impeça, nem lei alguma que possa restringir esse direito à felicidade que toda pessoa tem.

domingo, 25 de janeiro de 2015

CONVERSÃO




Sempre é tempo de conversão!

Compreender a vida assim significa que o caminho nunca está completamente pronto, sempre haverá um passo a mais a ser dado. Na longa estrada da vida, enquanto um segundo for dado para ser vivido, sempre o segundo seguinte poderá ser melhor. Isso é o que se pode entender acerca da constante necessidade de conversão. 

Converter significa "com" +"verter", isto é, derramar, virar (verter) junto (com). Portanto, nenhuma conversão será possível se se perder a dimensão do coletivo, do estar junto, de perceber que a verdadeira caminhada é aquela que se faz junto com os outros. Por mais eremita que sejamos em nossa caminhada espiritual ela sempre colocará em evidência a nossa dimensão comunitária, a nossa vivência coma nossa família, nossa vila, nosso bairro, nossa cidade, nosso país. Isto porque não é possível abstrair da experiência de cada um os valores recebidos e as perspectivas de, tendo-os como referência, vertê-los para uma vida melhor, do ponto de vista da vocação assumida para a santidade. 

Portanto, conversão tem tudo a ver com vocação. Não se vive plenamente a própria vocação sem que ela esteja vinculada a um contínuo processo de conversão. E isto implica saber que viver seriamente a vocação é assumir-se na humilde condição de nunca saber-se pronto e acabado, mas que sempre se pode melhorar, uma vez que a santidade não se tem (a priori), ela se conquista a cada segundo, a cada circunstância. 

Na leitura do trecho do livro de Jonas (Jn 3,1-4), na passagem em que ele cumpre a vontade de Deus e se põe a conclamar o povo da cidade de Nínive para a conversão, pode-se perceber que para atravessar aquela grande cidade seria necessário 3 dias. No entanto, o profeta percorre apenas o caminho de um dia e isso foi suficiente para que toda a cidade fosse salva da destruição. Ou seja, basta que, a cada dia, transformemos pelo menos uma parte de nossos maus hábitos para que isso seja suficiente para que a conversão aconteça. 

Não se deve pensar que a conversão acontece com uma simples queda do cavalo, como parece ter sido o caso de São Paulo. Na verdade, acho mesmo que a queda do cavalo para o Santo foi apenas a gota d'água, de uma conversão que já vinha acontecendo há muito tempo. Para que a conversão aconteça é preciso que se caia do cavalo (orgulho), pois esse é o primeiro e grande passo que se deve dar para uma verdadeira conversão.

O orgulho também nos impede de ver que o processo de conversão não significa um ato de bondade do ser humano diante de Deus. Pelo contrário, converter-se é, antes de tudo, aceitar o convite que já fora feito muito antes pelo próprio Deus. É como diz o salmo (Sl 24,4ab): "Mostrai-me, ó Senhor, Vossos caminhos, Vossa verdade me oriente e me conduza!". Deus é quem está na frente a nos iluminar e conduzir com a sua verdade. A conversão supõe a humilde escuta da verdade que vem de Deus. É Deus quem chama, e nós devemos ouvi-lo!

A conversão, como processo que acontece no tempo, deve acontecer de forma urgente, pois urgente é o tempo de buscar a melhoria da vida. Não é razoável olvidar de buscar as melhorias da vida quando ela se apresenta à nossa frente. Portanto, o tempo da conversão será sempre o "agora", pois não se deve deixar para depois um bem que se pode conseguir agora.

Foi por compreender que o tempo de mudança (conversão) era o "agora" que Jesus, ao encontrar com os primeiros vocacionados (os apóstolos) disse: "O tempo já se completou, o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!" (Mc 1,15), e nada há de mais urgente e importante a se fazer neste mundo onde tudo passa. E o que não passa é o que não está suscetível ao tempo: A santidade, a qual todos nós somos chamados, motivo pelo qual devemos sempre estar dispostos a ela nos convertermos.








sábado, 24 de janeiro de 2015

ENCONTRO


O mundo, com toda a realidade paradoxal que se apresenta, repleto de contradições, mascara, na verdade, uma multidão de pessoas que não se encontra, nem consigo mesmo, nem com os outros, nem com Deus. Esse é o grande desafio de identidade que a vida urbana metropolitana apresenta ao ser humano que, por sua natureza, precisa se encontrar. 

Essa necessidade deriva da própria natureza gregária do ser humano. Homens e mulheres têm a necessidade de autoafirmação a partir das portas e janelas que abre para o mundo, no intuito de interagir e se encontrar com pessoas e coisas. Esse encontro se dá pelo menos em três níveis: pessoal (encontro consigo mesmo), social (encontro com as outras pessoas) e espiritual (encontro com o Ser transcendente).

Envolto num mar de desencontros e desilusões o ser humano enfrenta o desafio de romper os obstáculos que inviabilizam o encontro nesses três níveis. Então ele sai à busca de ferramentas e socialização (redes sociais), blogs, sites, bares, vícios, festas, igrejas, profissões, etc. Na verdade, essa socialização já é um tanto quanto imposta pelos meios que a sociedade encontrou para entronizar o ser humano, desde criança, nas regras da sociedade, como a própria família, a igreja e a escola. 

Será, portanto, nessa interatividade que todos nós somos convidados a nos encontrar, primeiramente conosco mesmos (nossa história, sonhos, conflitos e perspectivas), depois com os outros (baliza de nosso próprio modo de ser) e, enfim, com Deus (o Ser Absoluto, transcendência e última referência existencial).

Para nós, os cristãos, esse desafio do encontro se torna cada vez mais instigante, vez que nos tornamos, para mais ou para menos, uma referência de nossas crenças através de nossas atitudes. Disso resulta o valor de afirmação de nossas crenças a partir da postura de cada um, no trato com as pessoas, as coisas e com a própria fé. 

Portanto, o valor da fé estará sempre na berlinda, mesmo quando a plena convicção de que não somos perfeitos e que muitas vezes estamos sujeitos a erros. Erros que se tornam gritantes quando comparamos nossa atitude com os ensinamentos da razão de nossa fé, Jesus. Até entendemos que não somos capazes e nem merecedores de segui-lo por essa mesma dificuldade de seguir à risca os propósitos cristãos. Basta lembrar acerca do que significa "dar a outra face".

Num mundo marcado por violências de toda ordem, representada por desencontros que estão campeados em todos os seguimentos da vida, em que as estruturas sociais e organizacionais se apresentam desumanas, os poderes institucionais estão enlameados por uma ética rasteira e uma lógica egoísta, legitimada, muitas vezes, por uma fé mórbida de "cristãos" de aparência que não conseguem conciliar a fé que apresenta diante do Santíssimo Sacramento ante os desafios éticos do dia-a-dia.

Diante dessa incoerência que parece um marasmo, eis que surge a possibilidade de reverter essa lógica e fazer valer os valores cristãos, através da iniciativa, pronta e solidária, de se dispor a ajudar o próximo através de serviços comunitários, serviços a serem executados em prol do bem, em prol dos mais necessitados, material e espiritualmente. 

Não bastassem as instituições, em geral, estarem falidas, a base de todas, a família, também está em crise. Crise de identidade, crise de valores! São pais que não se entendem, porque não se conhecem a si próprios; são filhos que não se reconhecem ante o primeiro desafio; são pais e filhos que não se encontram e não encontram o caminho do diálogo, como a falta de tempo que impossibilita o encontro. Isso faz com que outros espaços de interatividade se apresentam com mais força, como a mídia eletrônica ou grupos alternativos. O ser humano não pára, não se acomoda, ele se adapta! Se a família não se apresenta como espaço de diálogo, há que se buscar outros espaços onde o diálogo seja possível.

O ser humano não se contenta em apenas se encontrar consigo mesmo, até porque é de sua natureza existencial (etimologicamente ex-istir = ser para fora) buscar o sentido de sua vida em algo que o transcenda. Ou seja, o ser humano é, antes de tudo, um ser que busca naturalmente a transcendência, que busca algo mais para se entender. Para nós, cristãos, essa transcendência se dá a partir da nossa empatia com a pessoa de Jesus Cristo.

A pessoa de Jesus Cristo ultrapassa qualquer limitação física, histórica, religiosa e doutrinal que qualquer compreensão preconceituosa possa imprimir. Isto porque, compreender verdadeiramente Jesus como o Cristo significa compreendê-lo como sendo o Filho de Deus (aquele que tem a mesma essência e natureza de Deus), o Verbo Encarnado (o mundo que se cria a partir da Palavra de Deus), a Luz Divina (em contraponto à escuridão da incerteza diante da morte). Por isso, assim, Ele mesmo se definiu: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6).

Encontrar com esse Jesus que é o Caminho, a Verdade e a Vida implica em ser muito mais que um mero expectador. Implica em ser, como ele, visionário e sonhador, antes de tudo, para depois ser missionário. Missionário não de uma visão fechada de mundo, pois importante é reconhecer que ninguém é dono da verdade. Mas ser missionário da esperança, missionário da mensagem profética de que é possível acreditar na vida eterna que se constrói desde aqui com gestos de amor. Um amor que não se acomoda na zona de conforto. 

Jesus que é o modelo para os cristãos, deveria sê-lo para a autocompreensão de todos os que admitem essa crença. Jesus de Nazaré não se acomodou na pacata cidade em que viveu (Nazaré no tempo de Jesus não passava de 200 habitantes). Ele poderia ter sido o melhor rabino que a sinagoga de Nazaré poderia ter tido. Mas isso era muito pouco para quem "EX-ISTIA" no real sentido da palavra. Era muito pouco para quem era visionário e sonhador e, por conseguinte, missionário do amor. Jesus encarou o desafio e acreditou que tudo era possível ser melhor. ele fez o encontro consigo mesmo. Depois saiu às ruas para se encontrar com os outros. Visitou vilarejos, construiu pontes de amizade, praticou o bem, fez milagres! Abriu seus braços para os mais necessitados, para os excluídos, para os discriminados, para os pobres, os doentes, as prostitutas, os pecadores, os humilhados, as crianças. Jesus não deixou que nenhum alijado da sociedade, nenhum dos que sofriam e amarguravam o dor do desamor e do preconceito ficassem de fora do seu carinho e de sua atenção. Ele sempre esteve ao lado deles, viveu com eles, sofreu junto com eles. 

Com essa atitude inovadora, Jesus questiona e desafia os valores daquela sociedade alicerçada no poder de um Império, onde a ganância, o egoísmo, a vaidade, a luxúria, a inveja e a subserviência exalava o cheiro e imprimia o tom dos relacionamentos, onde a base do poder das relações era fincada na lógica da riqueza e da exploração do outro, impossibilitando que o verdadeiro ENCONTRO se realizasse.

Essa nova ideia, essa nova notícia (Evangelho) que propugna por uma vida em sociedade alicerçada nos valores do diálogo e do amor ameaçou o status quo vigente, onde a estrutura de poder estabelecida foi abalada na sua base, a partir de uma nova compreensão dos valores religiosos daquela sociedade, que se legitimava numa moral de "pureza" e "sacrifícios". Com esse modelo, a sociedade era estabelecida em castas sociais e religiosas que legitimava privilégios e discriminava os que estavam na periferia do templo (fonte de sacrifício e impostos) e dos rituais de purificação e expiação de pecados praticados pelos Saduceus e pelos Fariseus. Jesus derrubou esses grupos discriminantes com apenas uma cajadada: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc 2,27).

Assim, Jesus plantou a esperança de uma vida melhor a partir da compreensão de que o diálogo é possível e necessário para a realização do encontro consigo mesmo, com os outros e com Deus. O fruto desse encontro, a partir do diálogo, é o que se constrói depois com a ideia de ressurreição, como sendo a vitória sobre a morte, em todos os aspectos. Ou seja, a ressurreição, a partir de então, representa muito mais que um simples despertar após a morte. A ressurreição, a partir desse encontro, significa a possibilidade de respirar um novo ar; significa acreditar em si mesmo como um ser capaz de dialogar e se encontrar com todas as suas dimensões e possibilidades existenciais; significa ser capaz de construir caminhos de encontros consigo, com os outros e com Deus, a partir de um diálogo franco e honesto.