sábado, 24 de janeiro de 2015

ENCONTRO


O mundo, com toda a realidade paradoxal que se apresenta, repleto de contradições, mascara, na verdade, uma multidão de pessoas que não se encontra, nem consigo mesmo, nem com os outros, nem com Deus. Esse é o grande desafio de identidade que a vida urbana metropolitana apresenta ao ser humano que, por sua natureza, precisa se encontrar. 

Essa necessidade deriva da própria natureza gregária do ser humano. Homens e mulheres têm a necessidade de autoafirmação a partir das portas e janelas que abre para o mundo, no intuito de interagir e se encontrar com pessoas e coisas. Esse encontro se dá pelo menos em três níveis: pessoal (encontro consigo mesmo), social (encontro com as outras pessoas) e espiritual (encontro com o Ser transcendente).

Envolto num mar de desencontros e desilusões o ser humano enfrenta o desafio de romper os obstáculos que inviabilizam o encontro nesses três níveis. Então ele sai à busca de ferramentas e socialização (redes sociais), blogs, sites, bares, vícios, festas, igrejas, profissões, etc. Na verdade, essa socialização já é um tanto quanto imposta pelos meios que a sociedade encontrou para entronizar o ser humano, desde criança, nas regras da sociedade, como a própria família, a igreja e a escola. 

Será, portanto, nessa interatividade que todos nós somos convidados a nos encontrar, primeiramente conosco mesmos (nossa história, sonhos, conflitos e perspectivas), depois com os outros (baliza de nosso próprio modo de ser) e, enfim, com Deus (o Ser Absoluto, transcendência e última referência existencial).

Para nós, os cristãos, esse desafio do encontro se torna cada vez mais instigante, vez que nos tornamos, para mais ou para menos, uma referência de nossas crenças através de nossas atitudes. Disso resulta o valor de afirmação de nossas crenças a partir da postura de cada um, no trato com as pessoas, as coisas e com a própria fé. 

Portanto, o valor da fé estará sempre na berlinda, mesmo quando a plena convicção de que não somos perfeitos e que muitas vezes estamos sujeitos a erros. Erros que se tornam gritantes quando comparamos nossa atitude com os ensinamentos da razão de nossa fé, Jesus. Até entendemos que não somos capazes e nem merecedores de segui-lo por essa mesma dificuldade de seguir à risca os propósitos cristãos. Basta lembrar acerca do que significa "dar a outra face".

Num mundo marcado por violências de toda ordem, representada por desencontros que estão campeados em todos os seguimentos da vida, em que as estruturas sociais e organizacionais se apresentam desumanas, os poderes institucionais estão enlameados por uma ética rasteira e uma lógica egoísta, legitimada, muitas vezes, por uma fé mórbida de "cristãos" de aparência que não conseguem conciliar a fé que apresenta diante do Santíssimo Sacramento ante os desafios éticos do dia-a-dia.

Diante dessa incoerência que parece um marasmo, eis que surge a possibilidade de reverter essa lógica e fazer valer os valores cristãos, através da iniciativa, pronta e solidária, de se dispor a ajudar o próximo através de serviços comunitários, serviços a serem executados em prol do bem, em prol dos mais necessitados, material e espiritualmente. 

Não bastassem as instituições, em geral, estarem falidas, a base de todas, a família, também está em crise. Crise de identidade, crise de valores! São pais que não se entendem, porque não se conhecem a si próprios; são filhos que não se reconhecem ante o primeiro desafio; são pais e filhos que não se encontram e não encontram o caminho do diálogo, como a falta de tempo que impossibilita o encontro. Isso faz com que outros espaços de interatividade se apresentam com mais força, como a mídia eletrônica ou grupos alternativos. O ser humano não pára, não se acomoda, ele se adapta! Se a família não se apresenta como espaço de diálogo, há que se buscar outros espaços onde o diálogo seja possível.

O ser humano não se contenta em apenas se encontrar consigo mesmo, até porque é de sua natureza existencial (etimologicamente ex-istir = ser para fora) buscar o sentido de sua vida em algo que o transcenda. Ou seja, o ser humano é, antes de tudo, um ser que busca naturalmente a transcendência, que busca algo mais para se entender. Para nós, cristãos, essa transcendência se dá a partir da nossa empatia com a pessoa de Jesus Cristo.

A pessoa de Jesus Cristo ultrapassa qualquer limitação física, histórica, religiosa e doutrinal que qualquer compreensão preconceituosa possa imprimir. Isto porque, compreender verdadeiramente Jesus como o Cristo significa compreendê-lo como sendo o Filho de Deus (aquele que tem a mesma essência e natureza de Deus), o Verbo Encarnado (o mundo que se cria a partir da Palavra de Deus), a Luz Divina (em contraponto à escuridão da incerteza diante da morte). Por isso, assim, Ele mesmo se definiu: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6).

Encontrar com esse Jesus que é o Caminho, a Verdade e a Vida implica em ser muito mais que um mero expectador. Implica em ser, como ele, visionário e sonhador, antes de tudo, para depois ser missionário. Missionário não de uma visão fechada de mundo, pois importante é reconhecer que ninguém é dono da verdade. Mas ser missionário da esperança, missionário da mensagem profética de que é possível acreditar na vida eterna que se constrói desde aqui com gestos de amor. Um amor que não se acomoda na zona de conforto. 

Jesus que é o modelo para os cristãos, deveria sê-lo para a autocompreensão de todos os que admitem essa crença. Jesus de Nazaré não se acomodou na pacata cidade em que viveu (Nazaré no tempo de Jesus não passava de 200 habitantes). Ele poderia ter sido o melhor rabino que a sinagoga de Nazaré poderia ter tido. Mas isso era muito pouco para quem "EX-ISTIA" no real sentido da palavra. Era muito pouco para quem era visionário e sonhador e, por conseguinte, missionário do amor. Jesus encarou o desafio e acreditou que tudo era possível ser melhor. ele fez o encontro consigo mesmo. Depois saiu às ruas para se encontrar com os outros. Visitou vilarejos, construiu pontes de amizade, praticou o bem, fez milagres! Abriu seus braços para os mais necessitados, para os excluídos, para os discriminados, para os pobres, os doentes, as prostitutas, os pecadores, os humilhados, as crianças. Jesus não deixou que nenhum alijado da sociedade, nenhum dos que sofriam e amarguravam o dor do desamor e do preconceito ficassem de fora do seu carinho e de sua atenção. Ele sempre esteve ao lado deles, viveu com eles, sofreu junto com eles. 

Com essa atitude inovadora, Jesus questiona e desafia os valores daquela sociedade alicerçada no poder de um Império, onde a ganância, o egoísmo, a vaidade, a luxúria, a inveja e a subserviência exalava o cheiro e imprimia o tom dos relacionamentos, onde a base do poder das relações era fincada na lógica da riqueza e da exploração do outro, impossibilitando que o verdadeiro ENCONTRO se realizasse.

Essa nova ideia, essa nova notícia (Evangelho) que propugna por uma vida em sociedade alicerçada nos valores do diálogo e do amor ameaçou o status quo vigente, onde a estrutura de poder estabelecida foi abalada na sua base, a partir de uma nova compreensão dos valores religiosos daquela sociedade, que se legitimava numa moral de "pureza" e "sacrifícios". Com esse modelo, a sociedade era estabelecida em castas sociais e religiosas que legitimava privilégios e discriminava os que estavam na periferia do templo (fonte de sacrifício e impostos) e dos rituais de purificação e expiação de pecados praticados pelos Saduceus e pelos Fariseus. Jesus derrubou esses grupos discriminantes com apenas uma cajadada: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc 2,27).

Assim, Jesus plantou a esperança de uma vida melhor a partir da compreensão de que o diálogo é possível e necessário para a realização do encontro consigo mesmo, com os outros e com Deus. O fruto desse encontro, a partir do diálogo, é o que se constrói depois com a ideia de ressurreição, como sendo a vitória sobre a morte, em todos os aspectos. Ou seja, a ressurreição, a partir de então, representa muito mais que um simples despertar após a morte. A ressurreição, a partir desse encontro, significa a possibilidade de respirar um novo ar; significa acreditar em si mesmo como um ser capaz de dialogar e se encontrar com todas as suas dimensões e possibilidades existenciais; significa ser capaz de construir caminhos de encontros consigo, com os outros e com Deus, a partir de um diálogo franco e honesto.





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