domingo, 25 de janeiro de 2015

CONVERSÃO




Sempre é tempo de conversão!

Compreender a vida assim significa que o caminho nunca está completamente pronto, sempre haverá um passo a mais a ser dado. Na longa estrada da vida, enquanto um segundo for dado para ser vivido, sempre o segundo seguinte poderá ser melhor. Isso é o que se pode entender acerca da constante necessidade de conversão. 

Converter significa "com" +"verter", isto é, derramar, virar (verter) junto (com). Portanto, nenhuma conversão será possível se se perder a dimensão do coletivo, do estar junto, de perceber que a verdadeira caminhada é aquela que se faz junto com os outros. Por mais eremita que sejamos em nossa caminhada espiritual ela sempre colocará em evidência a nossa dimensão comunitária, a nossa vivência coma nossa família, nossa vila, nosso bairro, nossa cidade, nosso país. Isto porque não é possível abstrair da experiência de cada um os valores recebidos e as perspectivas de, tendo-os como referência, vertê-los para uma vida melhor, do ponto de vista da vocação assumida para a santidade. 

Portanto, conversão tem tudo a ver com vocação. Não se vive plenamente a própria vocação sem que ela esteja vinculada a um contínuo processo de conversão. E isto implica saber que viver seriamente a vocação é assumir-se na humilde condição de nunca saber-se pronto e acabado, mas que sempre se pode melhorar, uma vez que a santidade não se tem (a priori), ela se conquista a cada segundo, a cada circunstância. 

Na leitura do trecho do livro de Jonas (Jn 3,1-4), na passagem em que ele cumpre a vontade de Deus e se põe a conclamar o povo da cidade de Nínive para a conversão, pode-se perceber que para atravessar aquela grande cidade seria necessário 3 dias. No entanto, o profeta percorre apenas o caminho de um dia e isso foi suficiente para que toda a cidade fosse salva da destruição. Ou seja, basta que, a cada dia, transformemos pelo menos uma parte de nossos maus hábitos para que isso seja suficiente para que a conversão aconteça. 

Não se deve pensar que a conversão acontece com uma simples queda do cavalo, como parece ter sido o caso de São Paulo. Na verdade, acho mesmo que a queda do cavalo para o Santo foi apenas a gota d'água, de uma conversão que já vinha acontecendo há muito tempo. Para que a conversão aconteça é preciso que se caia do cavalo (orgulho), pois esse é o primeiro e grande passo que se deve dar para uma verdadeira conversão.

O orgulho também nos impede de ver que o processo de conversão não significa um ato de bondade do ser humano diante de Deus. Pelo contrário, converter-se é, antes de tudo, aceitar o convite que já fora feito muito antes pelo próprio Deus. É como diz o salmo (Sl 24,4ab): "Mostrai-me, ó Senhor, Vossos caminhos, Vossa verdade me oriente e me conduza!". Deus é quem está na frente a nos iluminar e conduzir com a sua verdade. A conversão supõe a humilde escuta da verdade que vem de Deus. É Deus quem chama, e nós devemos ouvi-lo!

A conversão, como processo que acontece no tempo, deve acontecer de forma urgente, pois urgente é o tempo de buscar a melhoria da vida. Não é razoável olvidar de buscar as melhorias da vida quando ela se apresenta à nossa frente. Portanto, o tempo da conversão será sempre o "agora", pois não se deve deixar para depois um bem que se pode conseguir agora.

Foi por compreender que o tempo de mudança (conversão) era o "agora" que Jesus, ao encontrar com os primeiros vocacionados (os apóstolos) disse: "O tempo já se completou, o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!" (Mc 1,15), e nada há de mais urgente e importante a se fazer neste mundo onde tudo passa. E o que não passa é o que não está suscetível ao tempo: A santidade, a qual todos nós somos chamados, motivo pelo qual devemos sempre estar dispostos a ela nos convertermos.








sábado, 24 de janeiro de 2015

ENCONTRO


O mundo, com toda a realidade paradoxal que se apresenta, repleto de contradições, mascara, na verdade, uma multidão de pessoas que não se encontra, nem consigo mesmo, nem com os outros, nem com Deus. Esse é o grande desafio de identidade que a vida urbana metropolitana apresenta ao ser humano que, por sua natureza, precisa se encontrar. 

Essa necessidade deriva da própria natureza gregária do ser humano. Homens e mulheres têm a necessidade de autoafirmação a partir das portas e janelas que abre para o mundo, no intuito de interagir e se encontrar com pessoas e coisas. Esse encontro se dá pelo menos em três níveis: pessoal (encontro consigo mesmo), social (encontro com as outras pessoas) e espiritual (encontro com o Ser transcendente).

Envolto num mar de desencontros e desilusões o ser humano enfrenta o desafio de romper os obstáculos que inviabilizam o encontro nesses três níveis. Então ele sai à busca de ferramentas e socialização (redes sociais), blogs, sites, bares, vícios, festas, igrejas, profissões, etc. Na verdade, essa socialização já é um tanto quanto imposta pelos meios que a sociedade encontrou para entronizar o ser humano, desde criança, nas regras da sociedade, como a própria família, a igreja e a escola. 

Será, portanto, nessa interatividade que todos nós somos convidados a nos encontrar, primeiramente conosco mesmos (nossa história, sonhos, conflitos e perspectivas), depois com os outros (baliza de nosso próprio modo de ser) e, enfim, com Deus (o Ser Absoluto, transcendência e última referência existencial).

Para nós, os cristãos, esse desafio do encontro se torna cada vez mais instigante, vez que nos tornamos, para mais ou para menos, uma referência de nossas crenças através de nossas atitudes. Disso resulta o valor de afirmação de nossas crenças a partir da postura de cada um, no trato com as pessoas, as coisas e com a própria fé. 

Portanto, o valor da fé estará sempre na berlinda, mesmo quando a plena convicção de que não somos perfeitos e que muitas vezes estamos sujeitos a erros. Erros que se tornam gritantes quando comparamos nossa atitude com os ensinamentos da razão de nossa fé, Jesus. Até entendemos que não somos capazes e nem merecedores de segui-lo por essa mesma dificuldade de seguir à risca os propósitos cristãos. Basta lembrar acerca do que significa "dar a outra face".

Num mundo marcado por violências de toda ordem, representada por desencontros que estão campeados em todos os seguimentos da vida, em que as estruturas sociais e organizacionais se apresentam desumanas, os poderes institucionais estão enlameados por uma ética rasteira e uma lógica egoísta, legitimada, muitas vezes, por uma fé mórbida de "cristãos" de aparência que não conseguem conciliar a fé que apresenta diante do Santíssimo Sacramento ante os desafios éticos do dia-a-dia.

Diante dessa incoerência que parece um marasmo, eis que surge a possibilidade de reverter essa lógica e fazer valer os valores cristãos, através da iniciativa, pronta e solidária, de se dispor a ajudar o próximo através de serviços comunitários, serviços a serem executados em prol do bem, em prol dos mais necessitados, material e espiritualmente. 

Não bastassem as instituições, em geral, estarem falidas, a base de todas, a família, também está em crise. Crise de identidade, crise de valores! São pais que não se entendem, porque não se conhecem a si próprios; são filhos que não se reconhecem ante o primeiro desafio; são pais e filhos que não se encontram e não encontram o caminho do diálogo, como a falta de tempo que impossibilita o encontro. Isso faz com que outros espaços de interatividade se apresentam com mais força, como a mídia eletrônica ou grupos alternativos. O ser humano não pára, não se acomoda, ele se adapta! Se a família não se apresenta como espaço de diálogo, há que se buscar outros espaços onde o diálogo seja possível.

O ser humano não se contenta em apenas se encontrar consigo mesmo, até porque é de sua natureza existencial (etimologicamente ex-istir = ser para fora) buscar o sentido de sua vida em algo que o transcenda. Ou seja, o ser humano é, antes de tudo, um ser que busca naturalmente a transcendência, que busca algo mais para se entender. Para nós, cristãos, essa transcendência se dá a partir da nossa empatia com a pessoa de Jesus Cristo.

A pessoa de Jesus Cristo ultrapassa qualquer limitação física, histórica, religiosa e doutrinal que qualquer compreensão preconceituosa possa imprimir. Isto porque, compreender verdadeiramente Jesus como o Cristo significa compreendê-lo como sendo o Filho de Deus (aquele que tem a mesma essência e natureza de Deus), o Verbo Encarnado (o mundo que se cria a partir da Palavra de Deus), a Luz Divina (em contraponto à escuridão da incerteza diante da morte). Por isso, assim, Ele mesmo se definiu: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6).

Encontrar com esse Jesus que é o Caminho, a Verdade e a Vida implica em ser muito mais que um mero expectador. Implica em ser, como ele, visionário e sonhador, antes de tudo, para depois ser missionário. Missionário não de uma visão fechada de mundo, pois importante é reconhecer que ninguém é dono da verdade. Mas ser missionário da esperança, missionário da mensagem profética de que é possível acreditar na vida eterna que se constrói desde aqui com gestos de amor. Um amor que não se acomoda na zona de conforto. 

Jesus que é o modelo para os cristãos, deveria sê-lo para a autocompreensão de todos os que admitem essa crença. Jesus de Nazaré não se acomodou na pacata cidade em que viveu (Nazaré no tempo de Jesus não passava de 200 habitantes). Ele poderia ter sido o melhor rabino que a sinagoga de Nazaré poderia ter tido. Mas isso era muito pouco para quem "EX-ISTIA" no real sentido da palavra. Era muito pouco para quem era visionário e sonhador e, por conseguinte, missionário do amor. Jesus encarou o desafio e acreditou que tudo era possível ser melhor. ele fez o encontro consigo mesmo. Depois saiu às ruas para se encontrar com os outros. Visitou vilarejos, construiu pontes de amizade, praticou o bem, fez milagres! Abriu seus braços para os mais necessitados, para os excluídos, para os discriminados, para os pobres, os doentes, as prostitutas, os pecadores, os humilhados, as crianças. Jesus não deixou que nenhum alijado da sociedade, nenhum dos que sofriam e amarguravam o dor do desamor e do preconceito ficassem de fora do seu carinho e de sua atenção. Ele sempre esteve ao lado deles, viveu com eles, sofreu junto com eles. 

Com essa atitude inovadora, Jesus questiona e desafia os valores daquela sociedade alicerçada no poder de um Império, onde a ganância, o egoísmo, a vaidade, a luxúria, a inveja e a subserviência exalava o cheiro e imprimia o tom dos relacionamentos, onde a base do poder das relações era fincada na lógica da riqueza e da exploração do outro, impossibilitando que o verdadeiro ENCONTRO se realizasse.

Essa nova ideia, essa nova notícia (Evangelho) que propugna por uma vida em sociedade alicerçada nos valores do diálogo e do amor ameaçou o status quo vigente, onde a estrutura de poder estabelecida foi abalada na sua base, a partir de uma nova compreensão dos valores religiosos daquela sociedade, que se legitimava numa moral de "pureza" e "sacrifícios". Com esse modelo, a sociedade era estabelecida em castas sociais e religiosas que legitimava privilégios e discriminava os que estavam na periferia do templo (fonte de sacrifício e impostos) e dos rituais de purificação e expiação de pecados praticados pelos Saduceus e pelos Fariseus. Jesus derrubou esses grupos discriminantes com apenas uma cajadada: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc 2,27).

Assim, Jesus plantou a esperança de uma vida melhor a partir da compreensão de que o diálogo é possível e necessário para a realização do encontro consigo mesmo, com os outros e com Deus. O fruto desse encontro, a partir do diálogo, é o que se constrói depois com a ideia de ressurreição, como sendo a vitória sobre a morte, em todos os aspectos. Ou seja, a ressurreição, a partir de então, representa muito mais que um simples despertar após a morte. A ressurreição, a partir desse encontro, significa a possibilidade de respirar um novo ar; significa acreditar em si mesmo como um ser capaz de dialogar e se encontrar com todas as suas dimensões e possibilidades existenciais; significa ser capaz de construir caminhos de encontros consigo, com os outros e com Deus, a partir de um diálogo franco e honesto.





segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

FÉ CONTRA AS SOMBRAS

"Apenas um raio do sol é suficiente para afastar várias sombras"
                                                                 (São Francisco de Assis)

Essa frase é particularmente significativa para a vida de cada um de nós, em função das dificuldades que todos nós enfrentamos quando assumimos algum propósito nobre. Acreditamos que essas coisas não acontecem sem uma razão. Não se valoriza o sabor da doçura, se antes não se provou do amargo; não se dá importância à saúde, sem que antes se padeça da convalescença doentia; Não se respira o melhor oxigênio, se não se esforça por subir à montanha; não nos deliciamos do sabor verdadeiro da fruta, se apressadamente a recolhemos fora do tempo.

É preciso ter paciência, confiança e, acima de tudo, coragem para enfrentarmos nossos próprios demônios, aqueles que vivem a nos atormentar, nos instigando ao erro de não seguir o caminho certo diante de uma bifurcação. Nessas horas, de sombras, que acontecem a todo momento, pois se apresentam sempre em nosso caminho, porque estão dentro de nós, é que devemos acreditar que a fé em Deus ilumina esse caminho. É ela, a fé, que nos possibilita escolher o caminho da luz, o caminho do bem, o caminho da disponibilidade, o caminho do serviço.

Não devemos perder o foco da sobriedade e do equilíbrio: Amar e servir ao próximo, da melhor forma que nós pudermos.
 
Tenhamos fé e vivamos sem sombras!



domingo, 18 de janeiro de 2015

VOCAÇÃO (CHAMAMENTO)


O tempo de celebração litúrgica obedece a uma sequência de temas para reflexão que devemos considerar em seu significado. A celebração litúrgica que começa com o tempo do advento, estabelece quatro domingos para a reflexão sobre o mistério da encarnação do Senhor. Ao tempo do advento seguem as reflexões do nascimento de Jesus (Natal), da manifestação do Senhor em Jesus (Epifania) e do Batismo do Senhor (rito de passagem e mudança de vida).

Após a reflexão desses acontecimentos, eis que surge o tempo comum, que outra coisa não é senão o tempo em que, a partir da vocação (chamamento), o ser humano é convidado a seguir o caminho de Jesus. Assim, o tempo comum começa com a reflexão sobre a nossa vocação, ou seja, o chamamento que Deus faz a cada um de nós.

A partir das leituras bíblicas de hoje (1ª leitura: 1Sm, 3,3b-10.19; Salmo: Sl 39, 2.4ab7-818b-9.10; 2ª leitura: 1Cor 6,13c-15ª.17-20; Evangelho: Jo 1.35-42) podemos refletir melhor acerca do significado desse CHAMAMENTO.

VOCAÇÃO ou CHAMAMENTO é aquela voz interior que nos instiga a uma atitude, nos compele a um compromisso que parece urgente e inadiável. É a voz que perturba o sono de Samuel, a ponto de ele pensar que era o seu mestre quem o chamava. Diante desse chamamento, a atitude a se tomar não pode ser outra senão aquela que remete a uma resposta imediata de prontidão, para uma tarefa que deve ser realizada com prazer, conforme prescreve o Salmo 39.

No evangelho de João, que relata a vocação dos primeiros discípulos, vemos que o chamamento precede a uma indagação de Jesus dirigida a eles quando se aproximam: “O que estais procurando?” (Jo 1,38). Isso nos faz compreender que a vocação de cada um implica numa prévia compreensão do que realmente se quer da vida. Quando os discípulos, em resposta à indagação, perguntam a Jesus onde ele mora, deixam claro para Jesus acerca do que eles estão procurando. Nesse contexto, saber a respeito do lugar onde alguém mora significa saber acerca do que ele faz. Então, a vocação, para esses discípulos, acontece no momento em que eles atendem ao chamamento de Jesus: “Vinde ver” (Jo 1,39). Vocacionados, foram ver o que ele fazia a partir de onde morava.

Para melhor compreender o significado da vocação nessas passagens bíblicas temos que fazer uma remissão com o significado teológico da 2ª leitura, extraída da 1ª Carta de São Paulo aos Coríntios, que exorta acerca da importância do testemunho cristão como sinal de coerência e santidade. São Paulo constrói uma metáfora acerca da vida cristã de cada um como fazendo parte de um grande corpo, o Corpo de Cristo. Ou seja, cada corpo (cada cristão) é parte do Corpo de Cristo. E cada parte desse Corpo, por participação, possui a presença do todo, pois o Espírito Santo reside ali em Santuário (1Cor 6,19).


Dessa participação de cada cristão ao Corpo de Cristo resulta a necessidade da coerência de atitudes, que implica no cumprimento, pronto e imediato, da verdadeira vocação do cristão que é a santidade. Para o cristão, não entender-se destinado à santidade significa estar vulnerável a uma atitude contra a moral (imoral) da sua vocação. Ou seja, no contexto vocacional, ser imoral significa não agir em conformidade com o que se procura da vida. Por óbvio, ser imoral (pecar) significa tomar atitudes contra a própria vocação, que é a santidade.

Viver a própria vocação é atender o chamamento à santidade que, noutras palavras, é estar disposto, como Samuel e os primeiros discípulos, a cumprir a vontade de Deus.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

PAI NOSSO QUE ESTÁ AQUI


Senhor Jesus Cristo,

Sei que me livra do mal,
Pois me esforço para não cair em tentação.

Eu tenho perdoado a quem me tem ofendido
Pois confio que sempre tendes perdoado as minhas ofensas.

Hoje eu tenho o pão que mereço neste dia
Pois a tua vontade é feita tanto aqui como é no céu

E assim, o Vosso Reino está entre nós,
Pois o Vosso Nome é santificado.

Por isso, Senhor, eu posso Te chamar:

Meu Pai que está no céu...
Meu Pai que está aqui!




terça-feira, 13 de janeiro de 2015

TERRA









Abençoada que faz nascer,
Tens título de mãe
E do teu pó tudo provém!

És palco da vida e do ser,
Tens força, fogo e vigor,
És boa e egoísta também!

Materna desvairada que tudo dá:
Alimento, vida, calor e chão.
Vens do filho depois tirar
A esperança, o sorriso... Que desilusão!

No puro instinto da antropofagia
Preparas a carne com o melhor alimento,
Não deixas a preza sequer um dia,
Quando enterras o homem lambe-se com vento!



                                       Roberto Dourado

domingo, 11 de janeiro de 2015

MERGULHAR PARA REVIVER



Batismo é uma palavra oriunda do grego que significa imersão, mergulho.

Como rito de passagem implica, antes de tudo, numa atitude consciente que torne possível a mudança, ou melhor, que torne possível ser "outro".

Mas que "mudança" pretendia Jesus com seu batismo? Qual é o "outro"  que Jesus, o filho de Deus, queria tornar-se? Por quê cumprir esse ritual?

Quando se aproximou de João e deixou-se batizar, Jesus mostrou a importância de se inserir no costume da comunidade e cumprir o rito, de seguir a cultura da religião que ali se praticava e, plenamente consciente das consequências daquele ato, vivenciou e mostrou a importância da experiência de um novo caminho, ou de uma nova forma de ver e viver o caminho.

O rito, em si, cujo símbolo do mergulho implica num rápido afogamento, retira do batizando a possibilidade de respirar e, com isso, remete à necessidade de morrer para, no instante seguinte, ressurgir da água, e reviver a partir de uma nova respiração. O rito quer dizer que a nova respiração traz para dentro de si um novo ar e, com isso, torna possível um novo viver (re-viver), uma nova vida de outro modo. Portanto, batizar significa morrer para uma vida de "antes" e reviver para um "depois", uma nova vida, um novo jeito de viver. Esse é o significado plástico do rito.

A coragem de deixar-se batizar no contexto desse significado supõe, no mínimo, a vontade de mudar de vida e, com isso, mudar as escolhas, mudar o modo de pensar, mudar o pensamento, mudar a atitude. Uma vez batizado, o ser humano terá no significado simbólico que o rito remete, um novo ar em seus pulmões, um novo ímpeto para viver, pois o antigo estilo de vida morreu e agora o batizado vive um novo ser, pois que doravante está imbuído do sopro divino (Espírito Santo), de onde vem toda a inspiração, confiança e fé. 

Viver o verdadeiro sentido do batismo traz consigo a ínsita compreensão de que não é possível viver com fé essa nova vida sem uma atitude concreta de imersão nos assuntos que dizem respeito a própria vida e a vida da comunidade. Ninguém se batiza sozinho.

Portanto, saber-se batizado significa compreender-se mergulhado na própria vida e na vida da comunidade, cuja dinâmica da inspiração e expiração possibilita o doce refrigério que alimenta a vida, a partir da consciência desse novo ar que é a presença de Deus (Sopro de Vida/Espírito Santo), cuja voz faz bradar do céu a mensagem que diz a cada um de nós que "somos seus filhos bem amados".

domingo, 4 de janeiro de 2015

OURO, INCENSO E MIRRA


Dizem que eram três os sábios que vieram do oriente, seguindo uma estrela, na intenção de encontrar o salvador. Seus nomes eram Gaspar, Melchior e Balthasar.

Inadvertidamente, eles chegaram à cidade e se dirigiram ao palácio real, pois queriam conhecer o menino-rei. Não podiam imaginar que o reinado, então inaugurado por este nascimento, não era condizente às pomposas riquezas que adornavam as cortes palaciais da dinastia vigente. 

A riqueza material, simbolizada na forma de ouro, o primeiro presente, não poderia ser contabilizada através do vil metal, pois embora quantificável e finita, tal riqueza, disponível gratuitamente na natureza por vontade de Deus, destinava-se a todos sem distinção, mas cuja distribuição, para ser justa e equitativa, dependeria da inexorável boa vontade não egoísta de cada um.

O ouro representa a riqueza abundantemente entregue à humanidade, cujo menino, nas circunstâncias de seu nascimento, deveria  impregnar de novo significado, qual seja o da partilha amorosa e responsável. Se para o mundo até então o ouro era o lastro do poder dos reis, doravante o reinado do neófito deveria se alicerçar em outras bases.

O incenso, segundo presente, vem significar um outro tipo de riqueza, a riqueza espiritual, também desejável para um Rei, pois que a sua condição implica diretamente numa perfeita personificação da dimensão divina do humano que ininterruptamente trava uma busca sedenta pela sua identidade na transcendência. O incenso no contexto desse novo nascimento implica no fortalecimento da dimensão da busca da verticalidade (homem-Deus) a partir da dimensão vértico-horizontal (Deus-Humano, Humano-Humano, Humano-Deus).

Por fim a mirra, terceiro presente, de gosto amargo e composto de óleo e perfume utilizado no preparo fúnebre, para limpeza do corpo sem vida, cuja alma sempre esperançou pela complacência divina quanto a sua ressurreição.

A construção dos siginficados simbólicos desses três presentes, entregues por representantes de povos tão distantes, mostra que o reconhecimento da esperança salvífica do recém-nascido, adorado na manjedoura, remete à necessária relação que esses três presentes têm entre si. 

O significado da mirra (prefácio de um possível entendimento da morte), subsiste a partir da verdadeira compreensão da relação entre o ouro (riqueza material) e o incenso (a sublimação da riqueza material a partir de sua qualificação espiritual). 

Os presentes OURO, INCENSO e MIRRA mostram que, a partir do nascimento desse menino, a humanidade também participa da natureza divina, na medida em que Deus humanizou o Verbo Divino. 

E não poderia ser diferente, ante ao que aconteceu com aquele adorável menino-Rei nos 33 anos que se seguiram.